Ainda sobre recuperações judiciais… (um ensaio sobre eficiência)


Conforme post do nosso blog do último dia 11 de julho (www.roux-advocacia.com), tivemos 923 novos pedidos de recuperação judicial protocolados entre janeiro e junho de 2016 (dados da Serasa Experian). Quando comparado com o mesmo período de 2015, isso representa um aumento de 87,6% no número de pedidos.

Dos 923 pedidos, apenas 776 tiveram seu processamento deferido ainda no primeiro semestre, e apenas 143 foram recuperações foram concedidas. Em 2015, no mesmo período, tivemos 153 concessões.

Aqui vale fazer uma explicação sobre a diferença das decisões de deferimento e concessão:

(i) Decisão de deferimento do processamento: a decisão de deferimento do processamento analisa apenas o cumprimento das formalidades exigidas para concessão da proteção judicial. O juiz deve decidir se o pedido pode ou não ser processado, avaliando se a empresa cumpriu com todas as formalidades mínimas exigidas pela lei 11.101 de 2005. Marco fundamental para todo o processo que se segue, a decisão de deferimento de processamento dá início à fase de proteção judicial conhecida como stay period, período de 180 dias em que se opera a suspensão forçada de todas as cobranças e execuções das dívidas incluídas na recuperação judicial (claro, desde que sejam dívidas que devam se submeter à esta). A decisão de deferimento funciona, assim, como uma tutela de urgência que concede à empresa uma proteção mínima para que consiga reorganizar e reestruturar seus negócios e elaborar um plano de recuperação judicial.

(ii) Decisão de concessão da recuperação judicial: a decisão de concessão é aquela que homologa o plano de recuperação judicial, concedendo ao mesmo o efeito de novar os créditos anteriores ao pedido, e obrigando todos os credores e a empresa devedora. A novação substitui as dívidas anteriores por uma nova e readequada dívida, reposicionada de acordo com a capacidade de pagamento da empresa recuperanda. Portanto, a decisão de concessão é o objetivo principal de qualquer empresa que requer uma recuperação judicial.

Voltando aos números, o que pode significar este baixo número de concessões, dentro da realidade explosiva de pedidos? Simples: o expressivo aumento no número de pedidos ainda não foi refletido nas concessões. Esta é a realidade da ineficiência do nosso sistema.

A maior parte dos pedidos apresentados no primeiro semestre não se converteram em recuperações concedidas, e nem era esperado que se converteriam. As recuperações não amadureceram o suficiente para chegar ao momento da concessão da recuperação judicial.

Até aqui, tudo dentro da normalidade do nosso sistema. Nosso sistema processual é famoso por não ser rápido ou ágil. Somos ineficientes, nossa lei de recuperações judiciais é ineficiente e o novo Código de Processo Civil, ao tentar corrigir parte dos problemas, criou outros.

Mas, em se tratando de recuperação judicial, quanto pode custar esta ineficiência do nosso sistema?

Não é de hoje que vemos na mídia inúmeros artigos e reportagens que mostram que temos um percentual de sucesso das recuperações judiciais entre 1% e 2%, o que significaria que apenas entre 1% e 2% das empresas que entram com o pedido sobrevivem ao processo.

Nossa ineficiência, portanto, fulmina entre 98% e 99% das empresas que precisam de proteção. Este expressivo número é a prova de que é verdadeira a expressão de que recuperação é a antessala da falência.

O resultado disso é a contínua frustração do próprio instituto da recuperação, que é a falência, com todas as suas consequências: o fim da unidade produtiva, o fim dos empregos, o fim da arrecadação tributária, o fim da contribuição da atividade para toda a sociedade. Os efeitos em cadeia para nossa economia são enormes – e a contração é o único resultado possível.

É impossível fazer mais rápido?

O procedimento que inspirou a criação do instituto da recuperação judicial e que substitui o antigo sistema da concordata no Brasil foi o procedimento previsto no capítulo 11 da Lei de Falências dos Estados Unidos da América.

Todos nós assistimos em 2009 atônitos a uma sequencia de recuperações judiciais das indústrias automotivas nos EUA – e com o fato de que o processo da General Motors se encerrou em menos de dois meses.

Tendo sido requerida em 1o de junho de 2009, o requerimento fundamentado no Chapter 11 foi fundamentado em relatório que demonstrava ativos no montante de US$ 82.29 bilhões contra US$ 172.81 bilhões em passivos.

Não obstante a enormidade do processo, de forma a preservar os interesses de empregados e credores, a recuperação judicial foi concluída em 10 de julho de 2009, exatos 40 dias após o filing (protocolo do pedido).

Estruturada com um debors-in-possession financing agreement (DIP Finance) de mais de US$ 33 bilhões, a recuperação resultou em uma empresa extremamente enxuta, detentora das marcas e produtos mais lucrativos, e tendo como maiores acionistas seus antigos credores, especialmente os sindicatos (que representam na verdade os trabalhadores) e o governo dos Estados Unidos da América que, posteriormente vendeu sua participação em uma oferta pública de ações.

Casos internacionais de sucesso como o da General Motors nos EUA inspiraram muitas soluções criativas que foram tentadas no Brasil.

E o mais recente exemplo foi a tentativa de utilização da estrutura do debtors-in-possession financing agreement, o chamado DIP Finance.

No ano de 2015, a OAS S.A., envolvida em inúmeros dos esquemas de corrupção descobertos e desfraldados para todo o país pela operação Lava Jato, viu seus negócios se deteriorarem ao ponto de se tornar impossível sua sobrevivência sem uma recuperação judicial.

O pedido de recuperação do Grupo OAS foi protocolado após inúmeras tentativas e rodadas de negociação com credores e potenciais compradores de ativos – negociações estas que não tiveram sucesso. Mas uma destas negociações evoluiu após filing para um espécie de memorando de entendimentos para a compra da participação da OAS na Invepar S.A. pela Brookfield Inc., operação vinculada à concessão de um DIP Finance no valor de R$ 800 milhões. Este valor serviria para evitar o completo colapso das operações da OAS, o que, em última análise, teria o potencial de melhorar a posição da recuperação dos créditos por muitos dos credores – ou ao menos assim defendiam os especialistas economistas que revisaram a operação.

O juiz da recuperação convocou uma audiência democrática com os credores para discussão dos detalhes do financiamento e da garantia, e determinou que uma série de esclarecimentos fossem prestados pela OAS. Após o retorno e análise da administradora judicial (Alvarez and Marsal), o juízo por fim autorizou a tomada do DIP. Não satisfeitos, os credores agravaram desta decisão e conseguiram assim, na prática, inviabilizar a sua concretização e prejudicaram também a posição de negociação da OAS perante a própria Brookfield na discussão do preço de aquisição.

Não se pode discutir que não existiam inúmeros fundamentos de mérito relevantes para os recursos, mas não podemos esquecer que tínhamos naquele momento em jogo mais de 9.000 empregos diretos e indiretos, e um país que precisava que suas grandes construtoras se reorganizassem e se reestruturassem com uma linha mais clara, ética e transparente. E o difícil DIP Finance que a OAS obteve poderia ter viabilizado tudo isso de forma mais rápida e direta.

O ponto aqui é: existe solução?

A resposta: sim. Precisamos evoluir o nosso sistema. E precisamos nos preparar melhor para as recuperações judiciais.

Enquanto a evolução do sistema ainda segue na linha de simples discussão, precisamos alterar nossa própria abordagem com o sistema que está aí colocado, pois se o instituto da recuperação judicial segue estigmatizado, em grande parte isso se deve ao fato de que nossos operadores não têm conseguido trabalhar corretamente os princípios da lei e a nem mesmo ferramentas mais modernas de economia aplicada ao direito.

Ações como as tomadas pelos advogados da OAS na defesa do DIP Finance devem ser louvadas, pois buscavam antes de qualquer outra coisa a viabilidade da recuperação judicial e a manutenção da operação, com a manutenção de um enorme contingente de trabalhadores.

Naquela mesma recuperação, participamos ativamente da construção de uma solução para um credor que aceitou continuar participando da viabilidade do negócio após a homologação do plano de recuperação judicial – solução esta que também responde pela viabilização da própria efetividade da recuperação.

Como operadores do direito, precisamos sempre buscar soluções legalmente corretas, mas equilibradas com os objetivos de longo prazo dos nossos clientes. E participar do reequilíbrio das forças provocando decisões que enfrentem a questão dos créditos extra-concursais e a inviabilização das recuperações judiciais deve ser um dos nossos grandes desafios.

Precisamos enfrentar o quase sagrado direito recursal dos credores, o direito quase-divino das instituições detentoras de créditos extra-concursais e buscar um sistema mais neutro e mais rápido, que evite o nosso costumeiro formalismo excessivo da nossa tradição processual romanística.

Mas a percepção ainda é de que está distante o dia em que conseguiremos um processo ágil e que proteja realmente os interesses dos credores, dos trabalhadores e que permita a continuidade dos negócios.

Para o empresário brasileiro que enfrenta uma situação de crise, o melhor remédio ainda é a preparação. Preparar a reestruturação e a reorganização com profundidade, contar com consultoria própria e especializada em turnaround e gestão de crise. É preciso diagnosticar a situação do negócio e as decisões difíceis que precisam ser tomadas e as ações que precisam ser implementadas no momento de maior stress financeiro.

Uma preparação bem feita é meio caminho para uma recuperação judicial de sucesso.

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Rodrigo Roux é sócio fundador do escritório Roux Advocacia, firma especializada em Resolução Estratégica de Conflitos. Com experiência em falência e recuperação judicial, contencioso, arbitragem, compliance, ambiental, concorrencial e prevenção de fraudes, atende clientes nas mais diversas indústrias, dentre elas aeronáutica, construção, química, produtos de consumo e varejo, energia, saúde, serviços financeiros, dentre outros.

Para maiores informações acesse o link: https://rtrr.com.br/

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